Estreito ilhado, empresários calados e parentes contratados: a ponte da vergonha.

Estreito ilhado, empresários calados e parentes contratados: a ponte da vergonha.

A queda da ponte JK, em Estreito (MA), não foi fruto do acaso. O colapso da estrutura é resultado direto da negligência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que falhou na manutenção e fiscalização da ponte. O episódio isolou a cidade por mais de dois meses, provocando sérios prejuízos à mobilidade, à economia local e à confiança da população.

Somente mais de 60 dias após a queda, o DNIT deu início à contratação emergencial de balsas, por meio de uma dispensa de licitação que envolveu R$ 40 milhões em recursos públicos. A proposta previa a atuação de várias embarcações. No entanto, apenas uma balsa opera regularmente, com capacidade reduzida a 22 passageiros por viagem, conforme restrições impostas pela Marinha do Brasil.

Antes disso, uma balsa requisitada pela Prefeitura, sem custos aos cofres municipais, chegou a transportar até 122 pessoas por travessia. Com o início da operação federal, essa balsa foi devolvida, e o decreto municipal de requisição administrativa, revogado. O que era gratuito e eficaz foi substituído por uma solução milionária e limitada.

A travessia ainda enfrenta outros entraves. O porto construído pelo DNIT passou por duas reconstruções, e mesmo assim a rampa permanece inviável para caminhões pesados, provocando atolamentos frequentes e exigindo o uso de máquinas para retirada dos veículos. Apesar disso, nenhuma estrutura adicional foi entregue, embora exista previsão orçamentária de mais de R$ 33 milhões para construção de novos portos, que até o momento não saíram do papel.

A situação tem gerado forte repercussão local. O que chama atenção agora é o descontentamento crescente dentro do próprio grupo de empresários, que passa a reconhecer, nos bastidores, que foram usados como massa de manobra. Muitos empresários locais afirmam que as promessas de melhoria econômica nunca se concretizaram. O cenário, ao contrário, piorou.

Há um entendimento silencioso, mas cada vez mais evidente, de que somente alguns poucos foram beneficiados com toda a movimentação feita em nome dos “interesses coletivos”. Aqueles que hoje se encontram em situação mais confortável são os mesmos que têm bens alugados ao DNIT: máquinas, terrenos, imóveis, caçambas e veículos.

Para evitar exposição direta, conforme apurado, muitos desses contratos foram firmados em nome de familiares, numa triangulação que dificulta o rastreio imediato e permite a narrativa de que “não há vínculo direto”. A prática tem gerado desconfiança e ressentimento, inclusive entre empresários que integram a própria associação.

A estratégia mais recente adotada por certos setores ligados à entidade empresarial tem sido redirecionar a responsabilidade da crise para a Prefeitura de Estreito, como forma de tirar o foco do verdadeiro núcleo do problema: o DNIT, seus contratos e a ausência de solução concreta. Uma forma de desviar a atenção e, ao mesmo tempo, poupar “os amigos” que outrora eram exaltados e hoje se tornaram intocáveis.

Internamente, surgem relatos ainda mais preocupantes. Pré-candidatos a cargos públicos têm usado o nome da associação como ativo político, afirmando em conversas privadas com figuras influentes que “têm domínio sobre a entidade” e que possuem “familiares na diretoria”. A afirmação “lá eu mando” tem sido reproduzida em diferentes ambientes políticos locais, levantando sérias dúvidas sobre o grau de independência da instituição e seu uso como moeda de troca política.

A associação, que durante meses declarou, por meio de sua diretoria, que “trouxe as balsas para Estreito”, agora enfrenta o desgaste político de não ter entregado os resultados prometidos. As ações judiciais anunciadas com entusiasmo estão, em sua maioria, paradas ou indeferidas, sem qualquer retorno efetivo à classe empresarial.

Para empresários ouvidos sob condição de anonimato, defender publicamente os interesses da empresa contratada e, ao mesmo tempo, se calar diante dos erros do DNIT, soa contraditório. Muitos consideram impossível fazer críticas honestas à gestão pública da travessia sem enfrentar o desconforto de também apontar quem realmente lucrou com a situação.

Convenhamos, qual autonomia ou isenção teria um representante de uma associação para cobrar, criticar, ajuizar ações e até mesmo gravar vídeos mostrando o absurdo que está ocorrendo, se eles mesmos e seus familiares tem contratos com o DNIT, que na verdade é o responsável pelo contrato com as balsas. No grupo já tem empresário defendendo que os diretores expoenham quais bens estão locados para o DNIT e que seja aprovado um impedimento para tal comportamento da diretoria.

Enquanto isso, a população segue enfrentando filas, limitações de transporte, prejuízos logísticos e um sentimento generalizado de abandono. A travessia, que deveria unir a cidade, hoje expõe rachaduras profundas entre discurso e prática, entre liderança e omissão, entre representação e interesse pessoal.

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